Mergulhos da Vida

Quando podemos imaginar que uma coisa que sempre fizemos poderia ter um poder tão transformador em determinada fase da vida?

Era uma menina muito tímida, envergonhada até de falar com as pessoas. Meu pai era um homem bem esportivo e mergulhava, desde os seis anos de idade eu o acompanhava em suas incursões. A princípio ficava nas pedras esperando, vendo-o subir e descer nas ondulações do mar, aquilo me acalmava e ficava muitas vezes na expectativa de onde estaria quando ele demorava muito a surgir na superfície. Pedi que me levasse com ele, cheio de orgulho, me ensinou a mergulhar. Adorava ficar imersa e “brincar” com os peixes. Dava nomes – lembro do “lacinho no rabo”, era o marimbá com sua manchinha escura, “listradinho” – era o sargentinho, algas eram “alfacinha”…e outros mais. Coisas de criança que amava estar sob as águas, conhecendo e vivenciando. O tempo foi passando e eu sempre o acompanhava em suas incursões, ele ainda fazia caça submarina, eu apenas cuidava dele em seus mergulhos, sem que percebesse o observava, afinal, envelhecia o velho lobo do mar e eu me sentia a própria sereia a guarda-lo.

A esta altura da vida, já terminara a faculdade de medicina, os ciclos da vida me levaram a morar em Belo Horizonte. Passei alguns anos sem mergulhar, embora viesse ao Rio com frequência. Quatro anos depois retorno ao Rio, e porque não, aos 28 anos, volto a trazer aquele talento subaquático e faço um curso de mergulho autônomo. Amei tanto aquele novo desvendar das águas, com mais tempo para ficar naquele silêncio observando! Fiz o curso de Medicina Hiperbárica na Marinha e me tornei instrutora de mergulho. Ainda tímida comecei a dar aulas e fui me soltando, conduzir pessoas ao “meu mundo silencioso”, como diria Jacques Cousteau, me trouxe grande aprendizado e prazer, passei a me conhecer mais, a perceber como é estar sem os sentidos básicos, já que sob as águas todos ficam alterados, e senti despertar uma sensibilidade interior crescente. Enfim, essa fase foi de grande aprendizado e autodesenvolvimento em minha história de vida.

Mergulhando profundamente nas águas do meu próprio ser e ainda cuidar do outro nesse mundo submarino.

Observando no estudo biográfico, aos 28 anos temos a crise dos talentos. Aptidões e talentos da infância e adolescência podem ser resgatados, aprimorados e transformados. Vejo o mergulho bem nessa situação em minha vida. O que era um prazer infantil e uma timidez que adorava estar só com os peixes se transformou num processo de autodesenvolvimento e autoconhecimento, onde lidar, observar melhor e cuidar das pessoas e o em torno me trouxeram uma nova dimensão da vida, um novo aprender. Olhando meu espelhamento percebo que aquele bem estar e gosto pelo lidar com a água, com o mar, se transforma num desejo maior de lidar com o mar dos sentimentos das pessoas, as oscilações das vidas, o sentimento antes físico das águas se transforma em anímico.

Os sentidos percebidos de forma diferente quando estamos imersos, agora atuam em um nível suprassensível trazendo uma percepção do não físico. O mergulhar adquire uma nova dimensão, o mergulhar na alma.

Vinte oito anos é um marco de apropriação de nossas vidas e na minha foi bem marcada, a escolha consciente de retorno ao Rio, o começar nova vida, novos rumos e o retorno às minhas águas mais profundas. Toca profundamente meu coração lembrar, perceber, observar e vivenciar os ciclos da vida! A nossa biografia como nosso grande caminho de autoconhecimento.

Autora: Heloisa Oliveira – É médica com formação em medicina antroposófica, aconselhadora biográfica do Grupo Ciclos da Vida e cursou a Formação de Consultores e Líderes Facilitadores pela ADIGO- LUMO. Coordenadora da TRINUS FORMAÇÃO BIOGRÁFICA DO RIO DE JANEIRO. Atende em seu consultório em Ipanema e Barra da Tijuca – Rio de Janeiro.

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