Biografia significa escrita da vida. É bonito, não é? Escrever a vida. Tomar uma caneta na mão e escrever a vida.
Que tipo de escrita? Um conto? Um romance? Um poema? Uma saga épica? Tantos estilos!…
Que vida? A de uma personalidade? A de um herói? A de um ser vivo, de uma espécie? A minha? Tantas vidas!
Muitas formas de vida: organismos unicelulares; vegetais; animais; homens.
Muitas formas de viver também… à mercê do ambiente e das circunstâncias; vegetando; guiado por impulsos e desejos instintivos; de maneira autoconsciente.
Há quem escreva a vida de outras pessoas, os biógrafos literários; há quem escreva a vida dos seres vivos, os biólogos. No entanto, poucas pessoas escrevem a própria vida e, a maioria dos que o fazem, escrevem uma autobiografia como um livro de memórias, uma obra literária ou documental que conta os fatos passados, porém não se preocupa em escrever as linhas para o futuro.
Dizem que “o futuro a Deus pertence”. Tenho a convicção de que Deus está em cada um de nós e, por isto, meu futuro pertence ao divino que Eu Sou, que há em mim. Não que um plano exato, como, por exemplo, definir que “vou me casar aos 25 anos, ter filhos gêmeos aos 27, etc” vá acontecer, embora não seja impossível, mas escrever o futuro passa por um reconhecimento do passado, no sentido de entrar em contato com o que minha trajetória de vida; meus interesses; as situações vividas; as relações travadas e tudo o que me construiu, conta de mim, de minhas aspirações e valores, me apontando uma direção para onde quero levar o desenvolvimento da minha biografia: as metas de transformação, os objetivos a serem alcançados – alguns materiais sim -, porém, principalmente, as metas de evolução individual que me levam a uma atuação social livre, responsável e consciente e, não os fatos exatos, determinados em si.
Essa autoconsciência adquirida através de um reconhecimento do passado é capaz de ressignificar o presente e, desta forma, acordamos a vontade de transformar o futuro, de escrever as linhas da nossa própria biografia. Isso é que vai definir o estilo da obra de arte que cada um vai escrever. Alguns serão mais poéticos, outros mais narrativos, outros ainda escreverão um épico. Seja qual for o seu estilo, ele é seu e só você pode defini-lo.
A definição do estilo depende de uma escolha consciente acerca da forma de vida que você quer ter. Quer deixar a vida te levar? Quer vegetar? Seguir cegamente seus instintos? Ou quer tomar seu destino nas suas próprias mãos?
Qual é a caneta que você quer usar? Um bico de pena? Uma caneta Bic? Um pilot? Um lápis bem fininho para ver se dá para apagar?
Como nos inspira Rabindranath Tagore em seu poema Vida e Morte¹, o problema da escrita da vida é esse: não é possível rasgar ou apagar páginas já escritas, mas podemos escrever novas e melhores páginas aprendendo com os erros cometidos. Para isso temos que ter consciência de cada acontecimento e não tentar escondê-los ou apagá-los, nem tentar passar a vida sem tomar conhecimento deles como se não tivessem acontecido, pois isso só fará com que repitamos indefinidamente nossos erros até que se tornem padrões inconscientes que chamaremos de determinação ou sina como se nos tivessem sido impostos de fora, quando, na verdade, nossas ações inconscientes é que os determinaram e os fizeram compor nosso destino.
Portanto temos que escolher o melhor instrumento para escrever nossa biografia, tomar desta caneta especial e fazer uma caligrafia muito bela, uma caligrafia que dá vontade de ler todo o livro e ainda dá vontade de escrever mais, escrever páginas que ainda não aconteceram, páginas que, enquanto preencho vou criando meu futuro, minhas metas e, assim, vou realizando conscientemente minha missão de vida.
1 – Vida e Morte – Rabindranath Tagore
Senhor, eis aqui minha biografia, meu livro de vida… É documentário, e confesso que é muito difícil escrever a vida como vós quereis… É difícil, Senhor, escrevê-la quando não se é escritor, quando nunca se aprendeu tal ofício. Mas a vida não se aprende: Toda vida é um romance novo, único no gênero, sempre obra de primeira mão. É difícil, Senhor, não poder copiá-lo, pois vós não aceitais plágios. É difícil, Senhor, não poder corrigi-la. Dela não podemos arrancar páginas mal escritas, ou apagar alguma coisa. O que escrevi ficará sempre escrito. O que eu posso é manifestar meu arrependimento, escrevendo páginas melhores. É difícil, Senhor, seguir este ritmo da vida que me leva inexoravelmente adiante… Mas obrigado, Senhor, por retratar-me das páginas passadas em cada nova página que escrevo. É difícil, Senhor, ir virando as folhas, dia por dia, na angústia de não saber o dia da entrega do manuscrito… Mas não seria, Senhor, mais angustioso ainda saber o dia e a hora? É difícil, Senhor, não sabermos quantas folhas em branco nos restam para desenvolver satisfatoriamente o tema… Um dia qualquer vós me tomareis a caneta das mãos e escrevereis debaixo do meu último rabisco: Fim. É difícil, Senhor, não poder reclamar, então: “Ainda não terminei…”,
porque há sinfonias inacabadas que são obras primas
e há existências longevas que nunca acertaram o tema. Tive pena do tempo perdido… Mas, Senhor, não tivestes minha vida, a cada instante, em vossas mãos?